Decisão apelação 1007851-27.2023.8.26.0565

Recurso: Apelação

Relator: JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 7 de agosto de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO - COBRANÇA - LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PARA EVENTO INTERNA- CIONAL - INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FOR- MAL - RELAÇÃO VERBAL CIRCUNSCRITA À LOCAÇÃO - Insurgência da parte autora contra r. sentença que julgou improcedente o pedido de decla- ração de inexigibilidade parcial de débito decorrente de contrato verbal, reconhecendo a legitimidade da cobrança de boletos emitidos pela requerida - Acolhi- mento - Documentos e manifestações das partes de- monstram que a relação jurídica limitava-se à locação de equipamentos - Ausência de prova concreta quanto à pactuação de aquisição conjunta, fornecimento de mão de obra ou outros encargos - Planilha de preços convencionada no início das tratativas deve prevale- cer sobre proposta unilateral posterior, a ensejar de- claração parcial de inexigibilidade - Dedução de valor já adiantado (R$ 1,4 milhão), com saldo devido fixa- do em R$ 968.766,67 - Reconhecimento da resolução contratual por desacordo comercial - Determinação de cancelamento dos protestos - Inversão da sucum- bência - Recurso provido, para julgar procedente a pretensão inicial, com determinação, nos termos da fundamentação.(TJSP; Relator: JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 7 de agosto de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, com determinação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este 280 acórdão. (Voto nº 2.803) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MARCO FÁBIO MORSELLO (Presidente sem voto), JOSÉ WILSON GONÇALVES e WALTER FONSECA. Jurisprudência - Direito Privado São Paulo, 7 de agosto de 2025. JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA, Relator


Ementa: APELAÇÃO - COBRANÇA - LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PARA EVENTO INTERNA- CIONAL - INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FOR- MAL - RELAÇÃO VERBAL CIRCUNSCRITA À LOCAÇÃO - Insurgência da parte autora contra r. sentença que julgou improcedente o pedido de decla- ração de inexigibilidade parcial de débito decorrente de contrato verbal, reconhecendo a legitimidade da cobrança de boletos emitidos pela requerida - Acolhi- mento - Documentos e manifestações das partes de- monstram que a relação jurídica limitava-se à locação de equipamentos - Ausência de prova concreta quanto à pactuação de aquisição conjunta, fornecimento de mão de obra ou outros encargos - Planilha de preços convencionada no início das tratativas deve prevale- cer sobre proposta unilateral posterior, a ensejar de- claração parcial de inexigibilidade - Dedução de valor já adiantado (R$ 1,4 milhão), com saldo devido fixa- do em R$ 968.766,67 - Reconhecimento da resolução contratual por desacordo comercial - Determinação de cancelamento dos protestos - Inversão da sucum- bência - Recurso provido, para julgar procedente a pretensão inicial, com determinação, nos termos da fundamentação.





VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FAST ENGENHARIA E MONTAGENS S.A., na ação declaratória de inexigibilidade de débito com res- cisão de contrato verbal ajuizada em face de SKY ENERGIA LTDA., contra a r. sentença de fls. 1.092/1.098, integrada às fls. 1.111/1.112, que julgou improce- dente a demanda inicial, nos seguintes termos: FAST ENGENHARIA E MONTAGENS S/A, devidamente qualificada, ajuizou ação declaratória cumulada com pedido de tutela de urgência em face de SKY ENERGIA LTDA., também devidamente qualificada, alegando, em síntese, que foi surpreendida pelo protesto abusivo do título indicado na inicial, bem como cobrança dos boletos bancários descritos na inicial, emitidos em desfavor da Fast, em 26/09/2023. Aduz que os títulos não são devidos. Alega que firmou com a ré contrato verbal para fornecimento de equipamentos para a utilização nos Jogos Panamericanos e Parapanamericanos de Santiago 2023, a serem rea- Jurisprudência - Direito Privado lizados no Chile a partir de 20/10/2023, contudo, a atuação da Sky Energia, as quantidades de equipamentos fornecidos, suas especificações técnicas e crono- grama de pagamento estariam vinculados ao contrato firmado pela Fast com o Comitê Olímpico, tendo a ré sido cientificada sobre esses termos, por e-mail em 19/07/2023. Informa que o contrato com o Comitê Olímpico tem a peculiaridade do fornecimento de equipamentos serem definidos após a contratação, o que é denominado design freeze, assim, a quantidade de equipamentos e aspectos téc- nicos seriam variáveis até esse momento. Aduz, ainda, que a relação comercial entre Fast e Sky representa tipo de contrato denominado “back to back”, sendo a ré remunerada de acordo com os pagamentos que seriam feitos à autora pelo Comitê Olímpico. Argumenta, também, que a ré deveria trabalhar com equipa- mentos próprios ou de seus fornecedores, sem repassar custos de fabricação, ou quaisquer outros. Afirma que a ré, durante as tratativas, demonstrou erro no planejamento da relação negocial, solicitando pagamentos antecipados, o que tornou a situação insustentável, motivo pelo qual a autora decidiu formalizar as obrigações das partes, tendo enviado, em 15/08/2023, ao e-mail da ré, minuta do contrato de prestação de serviços e outras avenças, sendo que o representante da ré tentou, unilateralmente, fixar valor mínimo do contrato em R$ 27.688.800,00, sem qualquer respaldo financeiro, afirmando, ainda, que a ré não tem capital de giro para esse projeto, motivo pelo qual demandou mais um adiantamento de R$ 8.000.000,00. Diante disso, em 22/09/2023, a autora afirma que não havia mais como prosseguir com o fornecimento por parte da ré, motivo pelo qual restringiu a relação comercial aos equipamentos já enviados ao Chile, composto por vinte e sete (27) geradores, e nada mais. Informa que o valor pactuado e aprovado com a ré para a locação dos 27 geradores é de R$ 2.368.766,67, contudo, houve o adiantamento de pagamento no valor de R$ 1.400.000,00, restando, portanto, o valor de R$ 968.766,67, tendo a autora indicado que realizaria o pagamento em duas parcelas, uma em 15/10/2023 e a segunda, no dia 15/11/2023. Sustenta que a ré emitiu os títulos bancários como forma de coação da Fast para paga- mento imediato de valores que a ré entende como devidos, tratando-se de prática comercial deplorável. Requer a concessão de tutela de urgência a fim de que seja determinada a imediata sustação do protesto n. 0476-04/10/2023-17, com referência ao boleto bancário de nº 1707-1/3, bem como inibir a ré a constranger o patrimônio da autora em relação aos boletos bancários n. 1707-1/3, 1707-2/3 e 1707-3/3. Pede a procedência da ação, confirmando-se a tutela pleiteada, com declaração de resolução contratual por inexecução voluntária da ré, bem como declaração de inexigibilidade dos valores cobrados pela ré e reconhecimento do valor de R$ 968.766,67 como devido pela locação dos geradores locados pela ré à autora. (...) (...) A autora apresentou, a fls. 255/294, emenda à inicial, ocasião em que pugnou 282 pela procedência da ação, a fim de que seja declarada a resolução contratual por inexecução voluntária da ré, bem como declaração de inexigibilidade dos valores cobrados pela ré e reconhecimento do valor de R$ 968.766,67 como devido pela locação dos geradores locados pela ré à autora. Juntou documentos Jurisprudência - Direito Privado (fls. 295/333). (...) A ré apresentou contestação, a fls. 539/552, sustentando, me síntese, que adquiriu produtos de alto custo para atender exclusivamente a autora; que restou demons- trado que existe uma relação comercial entre as partes, assim como a anuência dos contratantes quanto aos serviços prestados e a necessidade de aquisição de equipamentos para atender a demanda. Aduz que o contrato é de grande expres- são, aproximadamente 46 milhões de reais, e que empresa alguma teria à dispo- sição a quantidade de equipamentos solicitados, o que já denota a divergência de informações prestadas pela autora. Afirma que adquiriu produtos de valor elevados para suprir as necessidades do serviço realizado no Chile, cumprindo parcialmente o contrato, contudo, a autora nega-se a efetuar o pagamento. Sus- tenta que a cobrança é embasada nos termos definidos pelas partes, fazendo jus ao pagamento. Aduz que as compras efetuadas pela ré eram de conhecimento da autora, que respondia autorizando a compra. (...) (...) A ré apresentou contestação, a fls. 582/600 [da emenda à inicial], sustentando, em síntese, que as partes celebraram contrato de prestação de serviços, de forma verbal, para que a ré fornecesse equipamentos/materiais para o fornecimento de energia elétrica para os jogos pan-americanos que aconteceriam em Santiago - Chile, aceitando todos os equipamentos enviados para o Chile, inclusive sua mão de obra qualificada, validando assim a proposta/compra. Afirma que existe uma relação comercial entre as partes, assim como a anuência dos contratantes quanto aos serviços prestados e a necessidade de aquisição de equipamentos para atender a demanda. Aduz que a planilha apresentada pela autora sobre a locação dos materiais e respectivos valores não acompanham os valores do mercado. Ar- gumenta que a autora se arrependeu da promessa financeira feita à ré e aprovei- tando da inexistência de contrato escrito, utiliza-se da troca de e-mail para retirar a ré, de maneira abrupta, do negócio, beneficiando-se em relação aos pagamentos que deveria ter feito e não fez. Afirma que a autora ganhou a licitação com valor alto e paga valor inferior ao prestador de serviços que desenvolveu e executou o projeto. Sustenta que a cobrança é embasada nos termos definidos pelas partes, fazendo jus ao pagamento. Aduz que as compras efetuadas pela ré eram de co- nhecimento da autora, que o material foi fornecido para o evento, que investiu valores expressivos, restando-lhe prejuízos. (...) (...) A alegação autoral de que houve relação comercial com a ré, apenas para locação de equipamentos, não se sustenta. Em que pese a contratação da magnitude do objeto do contrato, tanto em termos de complexidade logística e financeira, as partes optaram por não estabelecer seus termos de forma escrita por meio de um contrato que estipulasse suas obri- gações, direitos e demais condições necessárias ao seu cumprimento. (...) As mensagens trocadas pelas partes, a fls. 88/155, 172/180, 190/198, 436/504, 691/802 e 933/1025, evidenciam que a relação comercial não se limitava à lo- Jurisprudência - Direito Privado cação dos equipamentos, conforme alega a autora, mas a um entabulamento co- mercial conjunto, anterior mesmo à licitação, a demonstrar uma parceria para aquisição, instalação e desenvolvimento das atividades que demandava o evento de grande porte empreendido pela autora. Houve, assim, conforme comprova o conjunto probatório coligido aos autos, in- vestimento por parte da ré, seja na aquisição de equipamentos, seja no forneci- mento de mão de obra que atuou nos Jogos Panamericanos e Parapanamericanos de Santiago 2023, no Chile. (...) Dessa forma, a contraprestação é devida, sob pena de enriquecimento sem causa (artigo 884, do Código Civil). E se a autora recebeu os produtos/mão de obra e deles se utilizou, por eles deve pagar, não havendo razão para a pretendida declaração de inexigibilidade da dí- vida. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação declaratória e revogo, como consequência, a tutela concedida. Julgo extinto o processo, com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso, do Código de Processo Civil. Condeno a autora no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor dado à causa, nos termos do § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil. Suscita a apelante, preliminarmente, a juntada intempestiva de docu- mentos pela parte adversa e inovação das alegações de defesa, nos termos dos arts. 434 e 435 do Código de Processo Civil. Aponta que, na contestação de fls. 582/600, a apelada não juntou nenhum documento, incluindo um pedido ao final de concessão de prazo para a juntada. Posteriormente, apresentou a petição de fls. 681/690, por meio da qual inovou as alegações de fato, e a documentação de fls. 691/1.044, que não continha a mídia mencionada na manifestação ante- rior. Ressalta que os documentos juntados são anteriores ao oferecimento da contestação, sempre estiveram na posse da apelada e sua juntada não esbarrava em qualquer entrave técnico, pelo que deveria ter sido reconhecida a preclusão consumativa e determinado o desentranhamento dos autos da petição de fls. 681/690 e dos documentos de fls. 691/1.044. No mérito, sustenta a natureza lo- catícia da relação que ensejou a cobrança, a qual teria sido admitido pela própria apelada às fls. 592/593. Menciona que a planilha de preços de fls. 125/126 foi elaborada em conjunto pelas partes em 19/4/2023, referindo-se ao projeto dos Jogos Panamericanos do Chile, enquanto os boletos bancários relativos à co- brança promovida pela apelada, no montante de R$ 3.560.200,00 (fls. 197/202), foram emitidos com base em sua proposta comercial (fls. 181/189), elaborada unilateralmente. Acrescenta que pagou adiantamento à apelada (a título de loca- 284 ção), devendo ser deduzido de eventual importância a ser reconhecida em favor desta o valor de R$ 1,4 milhão. Diz que juntou aos autos quatro orçamentos de empresas que atuam no mercado de geradores (fls. 657/680), demonstrando que os preços unitários fixados na proposta da apelada estão fora dos parâme- Jurisprudência - Direito Privado tros de mercado, diferentemente do que se observa na planilha de preços (fls. 1.136). Argumenta ser incabível, pena de enriquecimento sem causa da apelada, a adoção dos valores por ela estabelecidos unilateral e retroativamente depois da planilha de preços, devendo ser esta a base para o cálculo da remuneração pela locação, limitada aos 27 geradores fornecidos, deduzido o valor antecipa- do de R$ 1,4 milhão (com valor remanescente, portanto, de R$ 968.766,67). Propugna, em suma, que deve ser reconhecida a inexigibilidade dos valores veiculados nos boletos bancários 1707-1/3, 1707-2/3 e 1707-3/3, emitidos com base na proposta de locação, e a suficiência da consignação em pagamento do saldo devedor de R$ 968.766,67. Assevera que a relação comercial celebrada entre as partes se restringe à locação de equipamentos, inexistindo parceria para aquisição conjunta. Destaca que, entre os documentos juntados intempestiva- mente pela apelada, há alguns que sequer dizem respeito ao objeto da demanda e em nenhum deles consta qualquer tipo de autorização por parte da Fast para o investimento ou aquisição de equipamentos e prestação de outros serviços pela Sky. Reforça a natureza e locatícia da relação indicando que o objeto social da apelada é a locação de máquinas, equipamentos comerciais, industriais e gera- dores para distribuição de energia elétrica (fls. 1.140). Alega que não teria lógica a aquisição conjunta se o propósito negocial era o fornecimento temporário, o qual faria com que os bens porventura adquiridos retornassem para a apelada ao termo do contrato, além do pagamento pela locação (duplo pagamento), tendo a advertido para evitar prejuízos com compras eventualmente desnecessárias (fls. 1.142/1.144). Consigna que a apelada tinha ciência de quaisquer aquisições seriam realizadas por sua conta e risco e que somente seria remunerada sob o re- gime de locação, com relação aos equipamentos efetivamente disponibilizados e pelo período de disponibilização. Assinala que a apelada passou a inadimplir o acordado, realizando aquisições não esclarecidas e/ou estranhas ao contrato, não podendo os adiantamentos de locação ser confundidos com um suposto reembolso pela aquisição de equipamentos (fls. 1.150/1.151). Complementa dizendo que não há falar em prestação de serviços paralela ou dissociada da locação, ressalvando que a atividade de elaboração dos desenhos e projetos era meramente acessória, apenas para garantir o fornecimento dos equipamentos. Pontua que essa atividade acessória foi descumprida pela apelada, que cometeu sucessivos erros no envio de catálogos, informações técnicas, desenhos e proje- tos (fls. 1.153/1.154). Devido ao inadimplemento da apelada, alega ter direito à resolução contratual, com fundamento no art. 475 do Código Civil, bem como pela ausência de comprovação de prejuízos por prestações não remuneradas re- lacionadas ao objeto do contrato, sendo aleatórios os documentos juntados pela apelada (fls. 1.115/1.161). Pugna pelo provimento do recurso, para que seja reconhecida a inexistên- Jurisprudência - Direito Privado cia de qualquer débito da Fast frente à Sky, à exceção do valor de R$ 968.766,67, devendo-se anular os boletos 1707-1/3, 1707-2/3 e 1707-3/3, com levantamento dos protestos; o encerramento da relação comercial; e, em qualquer hipótese, reconhecido o abatimento de R$ 1,4 milhão, referente à antecipação feita. Recurso cabível, tempestivo e preparado (fls. 1.165/1.166). A parte apelada, intimada às fls. 1.180, apresentou contrarrazões (fls. 1.188/1.202). Discorre sobre os princípios contratuais, sustentando não haver defeito na prestação do serviço, nem pelo fato de ter sido estipulado informal- mente. Diz que as partes convencionaram o fornecimento, instalação, manuten- ção e operação de equipamentos, como geradores e quadros de energia, cabos e condutores, além da construção de rede elétrica para as instalações dos jogos. Afirma que a sua participação no contrato seria para a locação de equipamentos. Aduz que a apelante aceitou o envio de mão de obra qualificada, de outros ser- viços que agregariam valor ao contrato e estava ciente dos valores que seriam cobrados. Pontua que a apelante terceirizou todo o desenvolvimento e execução do contrato. Alega estar apenas cobrando pela locação dos equipamentos. Em pedido autônomo formulado após a interposição do recurso, foi defe- rida a concessão de efeito suspensivo à apelação (fls. 1.185/1.186). Houve oposição ao julgamento virtual, nos termos da Resolução de nº 772/2017 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 1.208/1.210 e 1.217). É o relatório. Conforme requerido às fls. 1.210, promova-se a inclusão no cadastro dos autos dos Advogados Diogo Uehbe Lima e Joana Paula Batista e a ex- clusão do Advogado Leonardo Nusman. Fica superada a preliminar suscitada pela apelante de preclusão consuma- tiva de parte das alegações e documentos juntados pela apelada (fls. 681/690 e 691/1.044), em razão do resultado do julgamento delineado a seguir. Por se tratar de negociação realizada predominantemente de forma ver- bal, deve-se ter em vista o princípio da liberdade das formas nos negócios jurí- dicos, prevista no art. 107 do Código Civil, norteando o julgamento as seguintes balizas doutrinárias: A manifestação de vontade tácita “dá-se por meio de um comportamento con- cludente, assim configurado quando incompatível com a não aceitação” (MOTA PINTO, Paulo. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurí- dico. Coimbra: Almedina, 1995, p. 546). Nas palavras de Pontes de Miranda, a manifestação de vontade tácita configura- se “por atos ou omissões que se hajam de interpretar, conforme as circunstân- cias, como manifestação de vontade do ofertante ou do aceitante” (PONTES DE 286 MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XXXVIII. Atualizado por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 88). (...) a doutrina ensina que a nulidade meramente formal (art. 166, IV, do CC) não Jurisprudência - Direito Privado deve acarretar a invalidade do negócio jurídico “quando implicar a contraditorie- dade desleal” (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para sua aplicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 697). A boa-fé tem uma função limitadora do exercício de direito subjetivo e mitiga- dora do rigor legal. A boa-fé objetiva proíbe a prática de condutas contraditórias que importem em quebra da confiança legitimamente depositada no parceiro contratual. Segundo a lição da Prof. Judith Martins-Costa, a proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se por intermédio de duas figuras: a) nemo potest venire contra factum proprium: não é permitido o exercício de posição jurídica que seja contraditória com o comportamento adotado anterior- mente. b) nemo auditur propriam turpitudinem allegans: trata-se da rejeição à malícia daquele que adotou certa conduta, contribuiu para certo resultado e depois pre- tende escapar aos efeitos do comportamento malicioso com base na alegação da própria malícia para a qual contribuiu. Menezes Cordeiro esclarece que isso não significa “conferir validade ao nulo”, mas simplesmente conservar o negócio jurídico em razão da confiança provoca- da na outra parte da relação contratual. Assim, quando há violação à boa-fé objetiva, o STJ rejeita a pretensão de decla- ração de nulidade do negócio deduzida por quem contribuiu com o vício. (CA- VALCANTE, Márcio André Lopes. É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 10/04/2025). Conforme demonstra a documentação juntada aos autos, o negócio jurí- dico pactuado se restringia à locação de equipamentos pela apelada à apelante. O fato de tratar-se estritamente de locação é afirmado pela própria apelada ao longo do feito (fls. 592/593), inclusive em contrarrazões (fls. 1.197), o que vai de encontro à conclusão na r. sentença de que havia ajuste para aquisição, ins- talação e operação das atividades exigidas para o empreendimento da apelante. Apesar de a apelada também formular alegações em sentido diverso, de que teria prestado outros serviços para incrementar o valor do contrato, corrobo- ra o escopo único de locação a ausência de alegação ou indicação, especialmen- te em contrarrazões, de documento que demonstre pormenorizada e concreta- mente despesas com aquisição de aparelhos, mão de obra ou outros serviços que deveriam ser ressarcidas pela apelante, assim como o objeto social da empresa limitado a essa atividade (fls. 605). Os documentos juntados pela apelada consistem essencialmente em re- gistros das conversas entre as partes que, em parte, confirmam a versão deduzi- da pela apelante. A delimitação da finalidade do contrato, sem compartilhamento ou trans- Jurisprudência - Direito Privado ferência de responsabilidades, era reiterada e abertamente reconhecida nas men- sagens eletrônicas trocadas entre os representantes das partes em datas distintas (fls. 94, 108/111, 138/139, 988, 453 etc.). Nesse contexto se insere o adianta- mento feito pela apelante a título de remuneração da locação, e não para outro encargo, bem como a participação da apelada, voltada exclusivamente para a locação, no desenho dos projetos designados com a contratante original e alheia à estipulação feita entre as partes (fls. 48 e ss.). Assim, não cabe qualquer cobrança por parte da apelada, nesta demanda e em função do negócio jurídico a que ela se refere, de despesas estranhas ao pagamento da locação (como para a aquisição dos equipamentos, sua ma- nutenção, fornecimento de mão de obra etc.), pena de violação da expectativa legitimamente gerada na outra contratante. Além disso, diante do progressivo desacordo comercial quanto ao não atendimento da escala e características exigidas pela apelante (fls. 127/154), verifica-se a resolução contratual, que deve ser declarada para se pôr fim aos vínculos obrigacionais remanescentes, posteriores à conclusão da avença. Em relação ao valor cobrado extrajudicialmente pela apelada, represen- tado nos boletos de fls. 199/201 (R$ 3.560.200,00 em setembro de 2023) - um deles protestado (fls. 202) -, teve por base a proposta de locação de fls. 181/189. Trata-se de mensuração de valores feita unilateralmente por ela para a locação dos geradores especificados (como a denominação do documento já indica - proposta). Em uma negociação caracterizada pela ausência de instrumento escrito e formal, essa estimação, posterior ao surgimento de desentendimentos entre as partes, não pode prevalecer sobre a planilha de preços convencionada como referencial no início das tratativas (fls. 125/126), com certo nível de consenso, conforme diálogo de março de 2023 (fls. 779), notadamente porque os valores indicados na planilha de preços estão em consonância com os de mercado ofere- cidos por empresas atuantes no mesmo segmento (fls. 657/680), para maquiná- rio com aspectos iguais ou semelhantes. Caso contrário, haveria arbitrariedade em favor de um dos contratantes. Portanto, acolhe-se o cálculo efetuado pela apelante em consonância com a planilha de preços (fls. 1.137), computado o pagamento comprovada- mente já realizado à apelada, de R$ 1,4 milhão (fls. 152/154), principalmen- te porque não apresentado por esta cálculo contraposto com discriminação dos critérios utilizados para a definição dos valores anteriormente cobra- dos pelos boletos, ou impugnação específica daquele elaborado pela parte adversa no decorrer do feito. 288 Dessa forma, o saldo devedor exigível pela apelada, em razão do ne- gócio jurídico havido entre as partes, é de R$ 968.766,67. Incidirão juros de mora sobre tal valor pela Selic desde o ajuizamento da demanda, por se tratar de obrigação ilíquida (sem termo final certo estipulado pelas partes) decorrente Jurisprudência - Direito Privado de responsabilidade contratual. Nos termos do art. 406 do CC, a Selic incide sem cumulação com o índice de correção monetária de que trata o art. 389. Não se fixa atualização monetária pelo IPCA em data anterior devido à ausência de termo certo da obrigação. O entendimento a respeito da atualização monetária e juros de mora está alinhado à jurisprudência do C. STJ: REsp n. 2.090.538/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 27/11/2024, DJEN de 4/12/2024. A propósito, os juros de mora não são afastados pelo seguro prestado pela apelan- te nos autos (fls. 243/252): STJ. Corte Especial. REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/10/2022 (Recurso Repetitivo - Tema 677) (Info 755). O seguro-garantia prestado poderá ser levantado pela apelante, indepen- dentemente de depósito nos autos, em virtude do acolhimento da pretensão inicial, a qual, desde a emenda de fls. 294, não compreende mais a consignação, sem prejuízo da possibilidade de a apelada promover o cumprimento da obrigação de pagar a quantia certa aqui apurada, em caso de não pagamento espontâneo, pois o provimento jurisdicional, qualquer que seja a sua natureza, se contiver aquela obrigação, constitui título executivo (STJ. Corte Especial. REsp 1324152-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/5/2016 (recur- so repetitivo) (Info 585). Ademais, deverá ser cancelado o protesto impugnado pela apelan- te e quaisquer outros porventura relacionados aos boletos de cobrança de fls. 199/201, pois emitidos em desconformidade com as estipulações das partes, em valores superiores aos devidos, mediante expedição dos ofícios adequados na origem. Em consequência, são redistribuídas as verbas sucumbenciais, de modo que a apelada arcará com o pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa. Sem honorários recursais, já que só se aplica o disposto no art. 85, § 11, do CPC em caso de não conhecimento ou integral desprovimento do recurso. De forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados me- ramente ao prequestionamento e viabilizar o acesso às vias extraordinária e es- pecial, considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconsti- tucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário, ademais, incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, para julgar procedente a pretensão inicial, reconhecendo como saldo devido pela apelante Jurisprudência - Direito Privado o valor de R$ 968.766,67 (novecentos e sessenta e oito mil, setecentos e sessen- ta e seis reais e sessenta e sete centavos), acrescido de juros moratórios nos ter- mos da fundamentação, declarar a resolução do contrato celebrado entre as par- tes, extinguindo-se as obrigações remanescentes, e determinar o cancelamento dos protestos efetuados pela apelada em razão do vínculo contratual, mediante expedição de ofícios na origem, cabendo à apelada arcar com os emolumentos relativos aos protestos que forem cancelados. Conforme requerido às fls. 1.210, promova a z. serventia a inclusão no cadastro dos autos dos Advogados Diogo Uehbe Lima e Joana Paula Batista e a exclusão do Advogado Leonardo Nusman.